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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Montese foi o pioneiro na descentralização


Publicado em 5 de junho de 2011 no Diário do Nordeste

Se em 10, 15 ou 20 anos já é admirável fazer a leitura visual de como um bairro mudou. Imagine depois de 65 anos. É o caso do Montese, um dos primeiros lugares de Fortaleza em que foi consolidado esse movimento de descentralização, ou melhor, de um bairro periférico que se tornou autossustentável. É comum ouvir dos moradores de lá que não é preciso ir ao Centro para encontrar o que se precisa.

O Montese tem tudo e sua história se confunde com um de seus personagens mais importantes, o Dr. Ximenes, como é mais conhecido o dentista, escritor e jornalista Raimundo Nonato Ximenes (Na Foto ao lado.Foto:Rodrigo Carvalho) Natural de Groaíras, é o homem que escolheu o nome atual do bairro. Ele não consegue esconder os olhos cheios de lágrimas quando relembra o momento em que chegou ao que antes era chamado de Pirocaia (aldeia dos peles vermelhas, em tupi).


"A casa era de taipa como as outras poucas que tinham aqui. Eu estava na varanda com saudade do sertão e da minha noiva na época, e que há 62 anos está casada comigo, quando resolvi homenagear os brasileiros que lutaram na Batalha de Montese, na Itália, durante a 2ª Guerra Mundial", conta. Para ele, esse momento foi determinante. Um verdadeiro divisor de águas. "Se não fosse o sucesso da Força Expedicionária Brasileira (FEB), e o fim da guerra dias depois, eu teria viajado para a Europa. Teria morrido. Fiquei livre do pesadelo da guerra", diz, engolindo o fôlego rapidamente antes de desfranzir a testa e declamar os versos de sua autoria: "Deus me deu por moradia/ Neste bairro um bom lugar/ Pra ficar com a família/ E ver tudo prosperar/ Da Pirocaia eu teria/ O seu nome que mudar/ Assim Montese nascia/ Ocupando o seu lugar".

Virada

Contudo, para o nome pegar não foi tão fácil quanto escrever a poesia, ele teve de conversar com muitas pessoas até atingir o seu propósito. A nova denominação veio mesmo começar a engrenar depois das reuniões dos primeiros moradores a partir de 1949, com o surgimento do Comitê Pró-Melhoramento do Bairro. "Quando me perguntavam onde eu morava, dizia que era no Montese. Aí queriam saber aonde ficava esse lugar. Então, a gente explicava. E assim foi", relata, contando as dificuldades daqueles tempos. "Até pra comprar um parafuso tinha que ir ao Centro. Eu levava uma hora pra chegar. A gente atolava muito na terra. O lençol freático era raso, mas a água da Pirocaia era a melhor que tinha em toda a região. Foi o primeiro produto a movimentar a economia daqui", resume.

Na época, Ximenes, hoje com 88 anos de idade, era um agricultor que não sabia ler nem escrever direito. Depois de engajar como cabo, em 1946, deixou o exército, arrumou um emprego como motorista de ônibus, casou-se com Libânia Feijão Ximenes, a dona Lili, e passou a morar definitivamente na Estrada de Gado, na qual, por ela, passavam as boiadas que saíam da Vila dos Arronches (Parangaba) em direção ao Matadouro Modelo.

Era uma via de terra, onde as carroças atolavam e só passavam carros com tração especial. Por conta da impactante influência francesa na Capital no início do século passado, o "caminho dos bois" mudou de nome para "Boulevard 14 de Julho", período em veio o calçamento. No fim da década de 1960, já no asfalto, passou a se chamar Avenida Gomes de Matos - atualmente, um dos principais polos comerciais de Fortaleza.

Ximenes também cresceu junto com o bairro. Passou a estudar enquanto trabalhava. "Ele virava a noite enquanto eu tinha os meninos", acrescenta Dona Lili, que teve sete filhos. "Passei em 3º lugar na UFC. Me formei com 40 anos de idade em odontologia. E exerci a profissão aqui mesmo no consultório anexo a casa por mais 40 anos", comenta, intercalando a sua fala com um gole de suco de caju, tirado do pé. A vizinhança do casal é disputada palmo a palmo por pontos comerciais. Por isso, a sensação é de que lá o tempo não passou. "Aqui, no quintal, tem caju, manga, acerola, carambola, cajá e coco. Tudo fresquinho. A cada dia, isso fica mais difícil de se ver por aí, não é?", brinca o aposentado.

Problemas

Ele acrescenta que o progresso foi bom, mas também trouxe alguns problemas como a violência acentuada, o trânsito barulhento e estressante e, principalmente, passou como um rolo compressor sobre as tradições. "Não é o Montese que sonhei. Bucólico. Rural. Onde as pessoas se conheciam e havia quermesse, quadrilha e fogueiras de São João", recorda, ratificando que a transformação foi impulsionada pela forte especulação imobiliária iniciada no fim dos anos 1970.

"A tendência é verticalizar. Mesmo assim nunca pensei em sair. Daqui só vou para o Parque da Paz", sorri Ximenes, que escreveu três livros sobre o lugar onde mora: "De Pirocaia a Montese, fragmentos históricos; Uma paróquia de fé; e Montese, crônicas e memórias". (ISJ)

Batismo

"Resolvi homenagear os brasileiros que lutaram na Batalha de Montese"

Raimundo Ximenes
Dentista

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