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segunda-feira, 5 de abril de 2010

População em situação de rua. Em busca de novos rumos





Foto 1: Os moradores em situação de rua se viram e adormecem sobre os bancos das praças, forrados por sofás ou restos de colchões depois de mais um dia de batalha.
Foto de Tuno Vieira

Foto 2: Adriana Faheina coordena as ações dentro do EAN e diz que cobra responsabilidades dos usuários.
Foto de Marília Camelo

Foto 3: Felipe acha que o poder público tem que fazer mais pela população desprotegida.


Matéria do Diário do Nordeste dia 29/3/2010


Os integrantes da população de rua em Fortaleza têm modificado seus perfis na procura pela inserção social



Um grupo populacional de 1.701 pessoas, segundo dados da última pesquisa, realizada em 2008 pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, vem a compor o que se chama de população em situação de rua em Fortaleza, cidade que já conta com uma população estimada pelo IBGE, em 2009, de 2.505.552 habitantes.

A heterogeneidade marca esse segmento que acompanhando as transformações sociais que os tempos modernos exigem, tem modificado o perfil de seus componentes e hoje busca novos rumos e tenta ganhar visibilidade tanto no contexto social como político.



Diferentes


Nos últimos anos, as características dos moradores de rua têm variado. Antes eram famílias inteiras oriundas do Interior do Estado, que aqui tentavam sobreviver ocupando espaços nas periferias e no Centro da cidade. Todos analfabetos, sem ocupação e situados na linha abaixo da pobreza. Viviam exclusivamente à espera da solidariedade humana.

Hoje, os integrantes são pessoas individualizadas com vínculos familiares quebrados ou interrompidos, maioria do sexo masculino, que só têm em comum a pobreza. São indivíduos imigrantes, desempregados, originários dos sistemas penitenciários e psiquiátrico e viciados em droga e álcool. Grande parte desse grupo é alfabetizado. Até integrantes com nível superior fazem parte da população tida como em situação de rua.

Do ponto de vida social o número desses nômades urbanos vem crescendo e com isso aumentando o seu poder de ocupação dos espaços públicos, em que deixaram a periferia da cidade e se concentraram nas praças centrais e avenidas movimentadas da orla marítima e dos bairros como Aldeota e Papicu.

Outro diferencial da atual população de rua está no poder de se mobilizar politicamente. Eles já se organizam, ocupam espaços e participam de seminários, fóruns nacionais e municipais de população de rua. No âmbito das conquistas, avançaram e conseguiram o reconhecimento do presidente Lula que assinou, no dia 23 de dezembro do ano passado, o Decreto Nº7.053, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua.

E as políticas públicas contidas no bojo desse decreto, começam a ser empregadas. Outro ganho desse segmento excluído da sociedade foi a inclusão no Programa do Governo Federal, do "Bolsa Família".

Em Fortaleza, a ação dos órgãos públicos com relação a esse contingente populacional está municipalizada e dividida quanto à oferta de serviços, em faixa etária (destinado aos adultos e não adultos). Apesar de ter repassado esse tipo de atendimento para o Município, o Estado, através de parcerias com as Organizações Não Governamentais (ONG´s) e empresas sociais, continua prestando atendimento aos moradores de rua, principalmente ao menor de idade.

Já a Prefeitura de Fortaleza disponibiliza duas secretarias de sua administração para ofertar serviços à população em situação de rua.

A Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), através de sua Coordenadoria da Proteção Social Especial instituiu o Centro de Atendimento à População de Rua (Capr), que tem suas ações voltadas para a população adulta com serviços de acolhimento e oferece cursos. O outro órgão é a Secretaria de Direitos Humanos (SDH).


Direitos



A coordenadora da Proteção Social Especial da Semas, a assistente social Andréia Cavalcante Cortez, vê um avanço significativo nas políticas públicas destinadas aos nômades urbanos.

"Infelizmente ainda existe a ideia de que a pessoa em situação de rua é público da política de assistência social, o que não é verdade. Esse integrante é um cidadão, que adoece e requer atendimento nos serviços de saúde. A maioria, tem baixo nível de escolaridade, precisa de educação, não tem acesso ao mercado de trabalho, tem que ser inserido, necessita de usufruir dos equipamentos públicos como qualquer outro cidadão. Enfim, são pessoas que têm necessidades em vários aspectos de vida e que devem ser vistas como sujeitos possuidores de direitos e deveres", afirmou Andréia. Segundo ela, o principal problema que atinge a população de rua é o uso abusivo da droga.



FIQUE POR DENTRO
Articulação



A iniciativa do governo que estabelece políticas públicas voltadas à população em situação de rua em Fortaleza se dá de modo articulado. De um lado a Prefeitura Municipal, através da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), a Secretaria de Direitos Humanos (SDH), outros órgãos, que realizam parceria direta, através de seus programas e projetos. Do outro, a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) e entidades que compõem a equipe Interinstitucional (órgão colegiado composto de Ogs e Ongs), tais como o Refeitório São Vicente de Paulo, Pastoral do Povo da Rua, Albergue Shalom e Casa da Sopa.

Os programas do Núcleo de Educadores Sociais de Rua e a Ponte de Encontro. Eles são encarregados de difundirem as ações entre os órgãos e as demais entidades.



ACOLHIMENTO
Espaço também serve de referência



Entre os serviços da iniciativa pública ofertados para as pessoas em situação de rua, de Fortaleza, o Espaço de Acolhimento Noturno (EAN) é o único que serve de abrigo para o pernoite do usuário. Além das condições de estrutura física favoráveis, contando também com a oferta de jantar e café da manhã, esse espaço auxilia o frequentador com relação a dar a referência para que o mesmo possa comprovar residência.

O EAN é um tipo de serviço complementar do Capr e foi implementado pela Prefeitura de Fortaleza a partir do estabelecimento de políticas públicas voltadas ao individuo em situação de rua. Funcionando na Avenida da Universidade, 1885, atualmente atende a 32 pessoas, sendo 26 adultos e seis crianças.

O objetivo do Espaço é trabalhar individualmente o sujeito, propondo alternativa de mudança e redefinindo seus projetos de vida. O programa também consta de atividades higiênicas, de alimentação, socioeducativas, lúdicas e de orientação.

A coordenadora do EAN, a terapeuta ocupacional Adriana Faheina, diz que a partir do cadastro do pretenso usuário no Capr, a pessoa fica numa lista de espera e que no momento não há possibilidades de se aumentar o número de acolhidos.

"Nossa política é atender realmente um número menor de pessoas, para que possamos ter condições de trabalhar melhor cada indivíduo", afirma Adriana. A pessoa quando é encaminhada pelo Capr ao Espaço já passou por orientações e teve a oportunidade de redirecionar seu projeto de vida a curto, médio e longo prazo.

"Muitos têm planos organizados, pois já possuem profissão e nós os acompanhamos e encaminhamos para o emprego. Dos 90 prontuários abertos, 20 já conseguiram sair da situação de rua", disse Adriana.

"Os que já tinham qualificação profissional só se organizaram e ingressaram no mercado de trabalho, outros conseguiram se livrar dos vínculos familiares e só necessitavam de tempo para se reestruturar. Já os que são usuários de drogas e álcool terão que levar um tempo maior para se reencontrar", finalizou.



Abordagem


O Capr está reestruturando o seu serviço de abordagem de rua, que já foi colocado em ação, mas no momento passa por reajustes. A nova equipe que está sendo montada trabalhará nos três turnos e a meta principal será conduzir e mapear toda Fortaleza, como também controlará a entrada e saída dos indivíduos em situação de rua.

Em outra fase será a busca da parceria com entidades sociais na oferta de cursos de capacitação profissional e inserção no mercado de trabalho.



POLITIZAÇÃO
Mobilização para dar força aos moradores



A conscientização política também já chegou para alguns integrantes da população em situação de rua. Eles se agrupam e vão em busca de seus objetivos. Fortaleza é a sétima capital que já tem arregimentado um movimento específico dos moradores de rua.

Francivaldo Paixão Freire (37), vê o movimento forte e diz que algumas metas já estão traçadas, entre as quais a luta para transformar o decreto Nº 7.053 em Lei; estender o movimento a todo o País e trabalhar cada vez mais pela implantação de políticas públicas atuantes.



Polêmico



Ele é um personagem cuja vida é praticamente ligada à rua. Felipe Euclides da Silva, (21), ainda recém-nascido foi acolhido por um abrigo. Hoje, ele integra o grupo do Ean, reconhece sua importância, mas cobra mais ações da entidade.

"Não basta só acolher para o pernoite, precisamos de programas interessantes que nos ajudem a ingressar no mercado de trabalho, nos encaminhe para capacitação e nos forneça referências criteriosas", reivindica Felipe.

Já o pedagogo Jorge Pedro Ribeiro Morais (39), mais um dos acolhidos, reconhece importância do Ean em sua vida.


Saiba mais
PRIORIDADE



EM 2009, a Semas elegeu como prioridade para a Coordenação a Proteção Social Especial o Programa de Atenção Integral à População de Rua, que é constituída por ações, projetos e serviços destinados à população adulta.


CAPR


O Centro de Atendimento à População de Rua acolhe, oferece cursos e encaminha usuários para a retirada de documentos. Proporciona ainda momentos de lazer para usuários a partir dos 18 anos. Por mês atende cerca de 1.200 pessoas. Ele funciona de segunda a sexta das 8h às 17h.


BENEFÍCIOS


A inclusão de pessoas em situação de rua nos benefícios de Prestação Continuada e no Programa Bolsa Família já existe e consiste em transferência condicionada de renda para quem vive em situação de pobreza.



A opinião do especialista
Realidade dos números



Rosendo Freitas de Amorim*
Professor Titular da Unifor - Doutor em Sociologia



Iniciamos esse texto registrando que os dados sobre a população vivendo em situação de rua em Fortaleza, apresenta alguns desencontros dependendo da instituição que os pesquisa. Observemos os dados do Centro de Atendimento à População de Rua (Capr), os da Semas e os do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

O Centro de Atendimento à População de Rua informa que 92,7% da população que vive na rua é do sexo masculino. A maioria (46%) não terminou o ensino fundamental e tem idade entre 18 e 28 anos (50,9%). Quanto à cidade de origem, 59,2% têm procedência do interior do Ceará e de outros estados.

Segundo o perfil traçado pela Secretaria Municipal de Assistência Social, 42,7% não têm contato com a família e 29% possuem laços familiares fragilizados. Com relação a trabalho, 56% estão desempregados, contra 35% que informaram desenvolver atividades informais e 4% atividade formal.

De acordo com pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Fortaleza tem, atualmente, 1.701 pessoas em situação de rua. Sendo 84,5% homens; 56,3% entre 25 e 44 anos, pardos (53,8%) e pretos (24,8%). A maior parte (89,7%) dorme nas ruas e trabalha, especialmente como catador de material reciclável (24,6%), flanelinha (21,8%) ou vendas (7,2%). Somente 15% são pedintes.

Precisamos reconhecer, ao se discutir a realidade da população vivendo em situação de rua, que esta vive um cotidiano marcado pela invisibilidade e exclusão social, bem como por uma boa dose de nomadismo no território urbano. Há uma curiosidade recorrente por parte da sociedade acerca das razões que produzem esse fenômeno social.

Algumas variáveis têm sido mapeadas sobre a origem do problema, dentre as quais podemos destacar: desgastes e conflitos na esfera familiar, resultando numa ruptura dos laços afetivos e encaminhamento para a rua; envolvimento com álcool e drogas, com destaque para o crack; práticas delituosas e dificuldades de inserção nos processos de sociabilidade.

As Políticas Públicas direcionadas ao enfrentamento do problema têm se mostrado bastante limitadas, cobrando tanto das instituições estatais como da sociedade civil organizada mais empenho, esforços e investimentos na superação de um problema que continua afligindo milhares de cidadãos brasileiros, os quais de acordo com a nossa Constituição deveriam ter assegurados seus direitos fundamentais e portanto, garantidos suas necessidades básicas.


Adalmir Ponte
Repórter

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